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24 de Abril de 2024

[Criminal] Resumo do Informativo n° 967 do STF

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há 4 anos

Brasília, 17 a 28 de fevereiro de 2020

Data de divulgação: 4 de março de 2020

Sumário

Plenário

Lei complementar estadual e Gaeco

Prorrogação de contrato de concessão de ferrovia e serviço adequado

Cessão de contratos pela Petrobras e decreto

Repercussão Geral

Julgamento de concessão de aposentadoria: prazo decadencial, contraditório e ampla defesa – 3

1ª Turma

Prisão domiciliar: condenada com filho menor e decisão transitada em julgado

Contrato de cessão de royalties de petróleo e gás natural e repartição de ganhos inesperados

Crime de incêndio e fonte de prova

Ações penais em andamento e causa de diminuição da pena

2ª Turma

Inquérito: declínio de competência e não encerramento de instrução processual – 2

Atuação de advogado como testemunha e sigilo profissional

Clipping das sessões virtuais

Outras Informações

Plenário

DIREITO CONSTITUCIONAL – SEGURANÇA PÚBLICA

Lei complementar estadual e Gaeco

O Plenário retomou julgamento conjunto de duas ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas em face de preceitos de leis complementares estaduais que versam sobre criação e estruturação de Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) na esfera local.

Na ADI 2838, impugna-se o art. 23, VIII, da Lei Complementar (LC) 27/1993 e o art. ; o art. , §§ 2º, 3º e 4º; o art. ; o art. 4º, III, VII, §§ 2º e 3º; e o art. 6º da LC 119/2002 (2), ambas as leis do estado de Mato Grosso. Na ADI 4624, questiona-se a LC 72/2011 do estado de Tocantins, que trata da criação do Gaeco no âmbito do Ministério Público do estado do Tocantins, e dá outras providências.

O ministro Alexandre de Moraes (relator) conheceu parcialmente das ações e julgou os pedidos improcedentes, no que foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux.

O relator assinalou o prejuízo por perda de objeto no tocante a preceitos revogados. Na ADI 2838, o art. 23, VIII, da LC 27/1993, que estabelecia a possibilidade de o Parquet requisitar da Administração Pública serviços temporários de servidores civis ou de policiais militares e meios materiais necessários à realização de atividades específicas. A norma foi expressamente revogada pela LC 416/2010, também daquela unidade da Federação.

Segundo o ministro Alexandre de Moraes, hoje, nos 26 Estados-membros e no Distrito Federal, há grupos constituídos para o combate mais efetivo ao crime organizado e à corrupção. O Gaeco é uma iniciativa dos Ministérios Públicos estaduais. A legislação local pretendeu efetivar maior entrosamento dos órgãos governamentais. Fortalecer os vínculos entre o Ministério Público e o Poder Executivo na área da persecução penal, a fim de possibilitar a atuação mais eficiente.

A junção de esforços é baseada nos arts. 24, XI; 125, § 1º; 128, § 5º; e 144, §§ 4º e , da Constituição Federal (CF) (2). Esses dispositivos permitem que o Estado-membro, tanto no âmbito do Ministério Público quanto das polícias do Executivo e do próprio Poder Judiciário, estabeleça regras mais próximas às peculiaridades locais para o combate à criminalidade organizada.

O relator registrou inexistir invasão recíproca ou unilateral de competência ou, ainda, desrespeito à legislação federal. Houve regulamentação legal do que, em vários Estados-membros, ocorre por meio de convênios entre polícia e Ministério Público. Os preceitos impugnados estabeleceram a criação de Gaeco no âmbito do Parquet, ou seja, é órgão interno na estrutura do Ministério Público, com autonomia funcional, administrativa e financeira.

Quanto à designação de delegados, policiais civis e militares, consignou não desnaturar a função de cada corporação. Há uma atuação conjunta, uma cooperação. A indicação nominal de policiais pelo procurador-geral de Justiça e pelo coordenador do Gaeco visa formar equipe de confiança. O Ministério Público solicita. É igual ao instituto da cessão administrativa.

Além disso, não há inconstitucionalidade por eventual duplo vínculo funcional. Designado para atuar no Parquet, o policial exercerá suas funções sob a coordenação de membro do Ministério Público. Entretanto, ele não perde o vínculo funcional e disciplinar com sua instituição. O apoio das polícias não desnatura, em momento algum, suas funções constitucionais.

O ministro assentou inexistir lesão às funções institucionais do Ministério Público. Não se compromete a autonomia e a independência do Parquet ou o controle externo da atividade policial.

Noutro passo, asseverou que não há ferimento ao princípio do promotor natural. Distribuído o inquérito ou o procedimento de investigação, o Gaeco manterá sua participação apenas se houver a aquiescência do promotor a quem atribuído o caso. É atuação conjunta permitida pelo Estatuto do Ministério Público Federal (LC 75/1993) e, inclusive, pela Lei Orgânica Nacional dos Ministérios Públicos Estaduais (Lei 8.065/1993). Segue o caminho tomado em todos os países.

Lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a validade jurídica e constitucional da atividade investigatória pelo Parquet (Tema 184 da repercussão geral, RE 593.727). Aplica-se a teoria dos poderes implícitos. O Ministério Público deve dispor das funções necessárias, ainda que implícitas, para bem exercer com eficiência sua missão constitucional.

O relator enfatizou que eventuais excessos devem ser combatidos e que a regulamentação por lei evita e facilita a repressão a abusos.

Por fim, sublinhou ser possível a criação do Gaeco por lei, nos Estados-membros, porque trata-se de órgãos internos do Ministério Público, sob a coordenação de membro do Parquet, no exercício de atribuições constitucionais, com a cooperação de autoridades policiais.

O ministro Edson Fachin anotou que essa conclusão tem amparo em sólida linha jurisprudencial, suficiente para rejeitar os argumentos pela inconstitucionalidade, porquanto o direito à segurança jurídica está intimamente ligado ao respeito aos precedentes do STF. Por sua vez, o ministro Roberto Barroso registrou não vislumbrar risco aos direitos fundamentais, ao devido processo legal ou aos princípios constitucionais.

A ministra Rosa Weber explicitou que as autoridades policiais continuam vinculadas a seus órgãos e somente realizam atribuições afetas ao conteúdo ocupacional dos cargos que ocupam nas respectivas corporações. Estas têm a discricionariedade de deferir ou não a requisição do Parquet.

Em seguida, o ministro Ricardo Lewandowski pediu vista dos autos.

(1) LC 119/2002: “Art. Fica criado, no âmbito do Poder Executivo e do Ministério Público do Estado de Mato Grosso, o GAECO – Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado, com sede na Capital e atribuições em todo o território do Estado de Mato Grosso. Parágrafo único. O GAECO atuará de forma integrada, funcionará em instalações próprias e contará com equipamentos, mobiliário, armamento e veículos necessários ao desempenho de suas atribuições e da Política Estadual de Segurança Pública. Art. 2º O GAECO será composto por representantes das seguintes instituições: I – Ministério Público; II – Polícia Judiciária Civil; III – Polícia Militar. (...) § 2º A Polícia Judiciária Civil estará representada por Delegados de Polícia, Agentes Policiais e Escrivães de Polícia, solicitados nominalmente pelo Procurador-Geral de Justiça e designados pelo Diretor-Geral de Polícia Civil, ouvido o Secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública. § 3º A Polícia Militar estará representada por Oficiais e Praças, solicitados nominalmente pelo Procurador-Geral de Justiça e designados pelo Comandante-Geral da Polícia Militar, ouvido o Secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública. § 4º Em caso de necessidade, o Coordenador do GAECO poderá, nos termos do art. 23, VIII, da Lei Complementar 27, de 19 de novembro de 1993, requisitar serviços temporários de servidores civis ou policiais militares para realização das atividades de combate às organizações criminosas. Art. 3º O Coordenador do GAECO será um representante do Ministério Público, nomeado pelo Procurador-Geral de Justiça. Art. 4º São atribuições do GAECO: (...) III – instaurar procedimentos administrativos de investigação; (...) VII – oferecer denúncia, acompanhando-a até seu recebimento, requerer o arquivamento do inquérito policial ou procedimento administrativo; (...) § 2º Durante a tramitação do procedimento administrativo e do inquérito policial, o GAECO poderá atuar em conjunto com o Promotor de Justiça que tenha prévia atribuição para o caso. § 3º A denúncia oferecida pelo GAECO, com base em procedimento administrativo, inquérito policial ou outras peças de informação, será distribuída perante o juízo competente, sendo facultado ao Promotor de Justiça, que tenha prévia atribuição para o caso, atuar em conjunto nos autos. (...) Art. 6º O GAECO terá dotação orçamentária específica, dentro da proposta orçamentária do Ministério Público e destinação de recursos pelo Poder Executivo. Parágrafo único. Os integrantes do GAECO receberão gratificação adicional não incorporável, correspondente a 10% (dez por cento) de seus respectivos vencimentos fixos, durante o período de atuação no referido Grupo, observada a disponibilidade financeira para despesa de pessoal.”

(2) CF: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) XI – procedimentos em matéria processual; (...) Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça. (...) Art. 128. O Ministério Público abrange: (...) § 5º Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros: (...) Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (...) § 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. § 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.”

ADI 2838/MT, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 19.2.2020. (ADI-2838)

ADI 4624/TO, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 19.2.2020. (ADI-4624)

Primeira Turma

DIREITO PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS

Prisão domiciliar: condenada com filho menor e decisão transitada em julgado

A Primeira Turma denegou habeas corpus em que se requeria a prisão domiciliar de condenada pela prática de homicídio por decisão transitada em julgado, que tem filho com menos de doze anos de idade.

Na espécie, a defesa sustentou a adequação da prisão domiciliar. Reportou-se ao HC 143.641, no qual concedida a ordem em favor de todas as mulheres presas preventivamente que ostentem a condição de gestantes, de puérperas ou de mães de crianças sob sua responsabilidade.

Prevaleceu o voto do ministro Marco Aurélio (relator), que reiterou a óptica veiculada ao indeferir medida acauteladora. Nesse sentido, o disposto no art. 318 do Código de Processo Penal (CPP) (1) tem aplicação em casos de prisão preventiva, sendo inadequado quando se trata de execução de título condenatório alcançado pela preclusão maior.

O relator observou que, para ter-se a incidência do art. 117 da Lei 7.210/1984 [Lei de Execução Penal (LEP)] (2) — cumprimento da sanção em regime domiciliar —, é indispensável o enquadramento em uma das situações jurídicas nele contempladas. Apesar de comprovada a existência de filho menor, a paciente foi condenada à pena de 26 anos em regime fechado. Portanto, não está atendido o requisito primeiro de tratar-se de réu beneficiário de regime aberto.

(1) CPP: “Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: I – maior de 80 (oitenta) anos; II – extremamente debilitado por motivo de doença grave; III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV – gestante; V – mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; VI – homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.”

(2) LEP: “Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: I – condenado maior de 70 (setenta) anos; II – condenado acometido de doença grave; III – condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV - condenada gestante.”

HC 177164/PA, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 18.2.2020. (HC-177164)


DIREITO PROCESSUAL PENAL – PROVA

Crime de incêndio e fonte de prova

A Primeira Turma indeferiu a ordem em habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática do delito descrito no art. 250, § 1º, I, do Código Penal (CP) (1) (causar incêndio com o intuito de obter vantagem pecuniária).

A sentença condenatória registrou que a inércia do paciente em comunicar, oportunamente, a ocorrência à autoridade policial inviabilizou a confecção da perícia pelo Instituto de Criminalística, ante o desaparecimento dos vestígios da infração.

De acordo com a defesa, o título condenatório seria ilegal, pois fundado em prova inidônea. Nesse sentido, o laudo elaborado por seguradora (vítima) não poderia ter sido utilizado como fonte probatória, mas apenas o exame de corpo de delito. Além disso, a suposta desídia do paciente em comunicar a ocorrência à autoridade policial não teria valor probatório.

O colegiado afirmou que o laudo elaborado de forma unilateral não constitui prova pericial, mas documental, razão pela qual a validade como elemento de convicção não se submete à observância dos requisitos previstos nos arts. 158 e seguintes do Código de Processo Penal (CPP). Assim, o laudo produzido pela empresa seguradora vítima, por não se qualificar como perícia, não consubstancia prova ilícita, surgindo passível de ser valorado pelo Juízo.

A materialidade do delito versado no art. 250, § 1º, I, do CP, cuja prática deixa vestígios, há de ser comprovada, em regra, mediante exame de corpo de delito. Nos termos do art. 167 do CPP (2), constatado o desaparecimento dos vestígios, mostra-se viável suprir a realização de exame por outros meios de prova.

O paciente, orientado pelo Corpo de Bombeiros a registrar, imediatamente, ocorrência policial e solicitar perícia técnica ao Instituto de Criminalística, permaneceu inerte durante sete dias. A não elaboração de perícia oficial deu-se ante o desaparecimento dos vestígios do crime, considerada a demora em registrar a ocorrência e a falta de preservação do local, tendo sido a materialidade do delito revelada pela prova testemunhal, corroborada por cópias da apólice do seguro, aviso de sinistro, ocorrência policial, relatório de regulação de sinistros, fotografias, laudos de averiguação e exame pericial. Levando em conta a justificada inviabilidade da elaboração do exame de corpo de delito e a demonstração da materialidade do crime por outros meios de prova, a incidência do previsto no art. 167 do CPP mostrou-se adequada.

Também improcede a alegação de ter sido atribuído valor probatório à omissão do paciente em proceder, oportunamente, ao registro da ocorrência. O fato de a impossibilidade da realização do exame de prova pericial decorrer da inércia não significa haver-se apenado o comportamento omissivo. A inexistência de obrigação legal de o paciente, em momento oportuno, comunicar a ocorrência à autoridade policial não implica a inadmissibilidade processual de outros meios de prova que, produzidos legitimamente, revelem a materialidade e a autoria do crime imputado.

(1) CP/1940: “Art. 250 - Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem: Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa. § 1º — As penas aumentam-se de um terço: I — se o crime é cometido com intuito de obter vantagem pecuniária em proveito próprio ou alheio;”

(2) CPP/1941: “Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.”

HC 136964/RS, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 18.2.2020. (HC-136964)


DIREITO PROCESSUAL PENAL – DOSIMETRIA DA PENA

Ações penais em andamento e causa de diminuição da pena

A Primeira Turma deferiu habeas corpus para determinar a aplicação da causa de diminuição de pena, prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 (1), a paciente condenada pelo crime de tráfico de drogas, não obstante a existência de outra ação penal, pela prática do mesmo delito, ainda não transitada em julgado.

O colegiado entendeu, com base no decidido no julgamento do RE 591.054, submetido à sistemática de repercussão geral (Tema 129), que a existência de inquéritos policiais e processos criminais sem trânsito em julgado não podem ser considerados como maus antecedentes para fins de dosimetria da pena, de modo que o fato de a paciente ser ré em outra ação penal, ainda em curso, não constitui fundamento idôneo para afastar a aplicação da causa de diminuição da pena.

(1) Lei 11.343/2006: “Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena — reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. (...) § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.”

HC 173806/MG, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 18.2.2020. (HC-173806)

Segunda Turma

DIREITO PROCESSUAL PENAL – COMPETÊNCIA

Inquérito: declínio de competência e não encerramento de instrução processual – 2

Em conclusão de julgamento, a Segunda Turma negou provimento a agravo regimental interposto de decisão proferida nos autos de inquérito, por meio da qual se declinou da competência para o processamento e o julgamento do feito, com a consequente remessa ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O agravante sustentava a supressão do direito de recorribilidade em face da ordem de envio imediato dos autos ao STJ sem que fosse aguardado o decurso do prazo recursal para defesa. Afirmava, ainda, a necessidade da manutenção da competência no Supremo Tribunal Federal (STF) ao menos até o oferecimento da denúncia, em função do avanço e da iminência do término das apurações, supervisionadas, no âmbito desta Corte, há mais de cinco anos (Informativo 918).

O colegiado reafirmou a incompetência do STF para processar e julgar o feito. Inicialmente, observou que a decisão recorrida atendeu às regras de publicidade impostas ao estabelecer a ciência formal às partes, embora tenha determinado a imediata remessa do feito ao STJ.

Além disso, esclareceu ter sido cancelado o ato cartorário que, de forma equivocada, certificou o decurso do prazo recursal. Como resultado das providências adotadas, assegurou-se ao investigado o exercício do direito de defesa e do contraditório por meio da interposição de recurso contra o declínio de competência, o qual, no entanto, não possui efeito suspensivo, nos termos do art. 317, § 4º, do Regimento Interno do STF (RISTF) (1).

Ato contínuo, assinalou inexistir prejuízo ao agravante, pois a determinação da imediata remessa dos autos do inquérito ao juízo destinatário está em consonância com o novel entendimento do Plenário firmado no julgamento da AP 937 QO. Nesse precedente, o STF resolveu questão de ordem no sentido de fixar as seguintes teses: (i) o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e (ii) após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo, com o entendimento de que essa nova linha interpretativa deve aplicar-se imediatamente aos processos em curso, ressalvados todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e pelos demais juízos com base na jurisprudência anterior, conforme precedente firmado no Inq 687 QO.

A Turma asseverou que a pretensão do agravante foge aos parâmetros estabelecidos na AP 937 QO para auferir a prorrogação da jurisdição do STF, haja vista que o avançar das apurações deflagradas no inquérito não detém, de modo algum, a potencialidade de interferir no declínio de competência realizado.

Apesar da efetiva evolução das investigações, sob a supervisão do STF, não houve imputação criminal formalizada pelo titular da ação penal contra o agravante nem encerramento da instrução processual penal. Logo, o marco temporal relativo à data de apresentação das razões finais não foi alcançado.

O ministro Gilmar Mendes complementou que a Corte tem entendido pela possibilidade de imediata remessa dos autos às instâncias competentes, inclusive antes da publicação do acórdão ou do trânsito em julgado, quando constatado o risco de prescrição. Na espécie, os fatos remontam a 2010, razão pela qual a determinação da remessa imediata demonstra-se adequada para evitar a ocorrência de prescrição antes do fim das investigações.

(1) RISTF: “Art. 317. Ressalvadas as exceções previstas neste Regimento, caberá agravo regimental, no prazo de cinco dias de decisão do Presidente do Tribunal, de Presidente de Turma ou do Relator, que causar prejuízo ao direito da parte. (...) § 4º O agravo regimental não terá efeito suspensivo.”

Pet 7716 AgR/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 18.2.2020. (Pet-7716)


DIREITO CONSTITUCIONAL – ORGANIZAÇÃO DOS PODERES

Atuação de advogado como testemunha e sigilo profissional

A Segunda Turma julgou improcedente reclamação ajuizada em face de decisão proferida por juiz de Direito nos autos de processo em trâmite no juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher, em que foi determinada audiência de inquirição de testemunhas com o arrolamento de advogado que atuara no mesmo processo como patrono de sua cliente.

O reclamante alegava desrespeito ao que decidido, pela Turma, no Inq 4.296 AgR.

No ponto, o colegiado esclareceu que o acórdão paradigma manteve decisão monocrática que autorizava a intimação de advogado para sua oitiva como testemunha no processo, de modo que não há incompatibilidade com a decisão reclamada.

Em seguida, a Turma, por empate, concedeu habeas corpus de ofício para reconhecer a inadmissibilidade do testemunho do advogado no processo examinado, declarando a ilicitude do ato e determinando o desentranhamento da prova considerada inadmissível.

Explicou que, no acórdão paradigma, afirmou-se que, em princípio, a intimação do advogado para comparecer perante a autoridade não parece em desacordo com a lei, mas ele somente poderia optar por depor se liberado do sigilo profissional pela cliente anteriormente defendida. Assim, como naquele momento e nos limites daquela via, inexistia comprovação da manifestação da ex-cliente sobre a questão, manteve-se a intimação para o depoimento. Ademais, ressaltou-se que eventual invalidade do depoimento poderia ser apreciada no futuro.

Portanto, assentou-se que o advogado somente poderia optar por depor se liberado do sigilo profissional por sua ex-cliente. Não foi a situação que envolveu a decisão reclamada, entretanto.

Salientou que, nos termos do art. , XIX, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (EOAB), é direito do advogado recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional.

Ademais, o sigilo profissional do advogado, externo ou interno, tal qual o do médico, é ponto central das normas deontológicas e legais que regulam a profissão.

Desse modo, ainda que se deva estruturar um processo penal efetivo, que tenha meios para assegurar a investigação e a produção das provas de um modo a possibilitar uma decisão mais informada possível, existem critérios de admissibilidade de provas que se embasam em premissas fundamentais para proteção de direitos fundamentais e contenção de abusos.

Caracterizam-se, assim, regras legais de exclusão probatória fundadas em limites lógicos, políticos e epistemológicos, que restringem de certa maneira a busca pela verdade e a reconstrução dos fatos passados.

Diante desse quadro, embora o sigilo profissional possa acarretar a supressão de informações potencialmente pertinentes ao caso, trata-se de premissa fundamental para o exercício efetivo do direito de defesa, no que diz respeito à defesa técnica.

A relação entre cliente e advogado depende de confiança, para que o réu possa descrever todos os fatos e elementos pertinentes sem medo de que isso possa ser posteriormente contra ele utilizado.

O sigilo profissional é um direito do indivíduo ao prestar informações ao advogado para o exercício de sua representação perante os órgãos pertinentes. Desse modo, para que o testemunho possa ser prestado pelo profissional, faz-se necessário o consentimento válido do interessado direto na manutenção do segredo.

Portanto, o advogado não pode testemunhar sobre fatos de que tomou conhecimento em razão de seu ofício, como para o exercício de sua atuação profissional a partir da narração apresentada pelo cliente e eventuais documentos por ele entregues.

Frisou que, nos termos do art. 25 do EOAB, o sigilo profissional é inerente à profissão, impondo-se o seu respeito, salvo grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado se veja afrontado pelo próprio cliente e, em defesa própria, tenha que revelar segredo, porém sempre restrito ao interesse da causa.

Porém, da leitura do caso em exame, depreende-se que o advogado arrolado como testemunha teve seus poderes como patrono da interessada expressamente revogados, vedando-se sua atuação no caso. Além disso, requereu-se que devolvesse qualquer documento relacionado ao fato que a ele tivesse sido entregue.

Evidente, portanto, que a cliente não liberou o advogado do dever de manter o segredo profissional sobre as informações e documentos de que teve conhecimento em razão da atuação como defensor técnico.

A ministra Cármen Lúcia e o ministro Edson Fachin não concederam a ordem de ofício.

Rcl 37235/RR. rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 18.2.2020. (Rcl-37235)


Outras Informações

17 a 28 de fevereiro de 2020

Decreto nº 10.249, de 19.2.2020 - Dispõe sobre a programação orçamentária e financeira, estabelece o cronograma de execução mensal de desembolso do Poder Executivo federal para o exercício de 2020 e dá outras providências. Publicado no DOU em 19.02.2020, Seção 1-Extra, Edição 35-A, p. 1.

Decreto nº 10.250, de 19.2.2020 - Institui a Comissão Interministerial Brasil 100 Anos Olímpicos. Publicado no DOU em 20.02.2020, Seção 1, Edição 36, p. 1.

Decreto nº 10.251, de 20.2.2020 - Autoriza o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem no Estado do Ceará. Publicado no DOU em 20.02.2020, Seção 1-Extra, Edição 36-A, p. 1.

Decreto nº 10.254, de 20.2.2020 - Altera a Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - TIPI, aprovada pelo Decreto nº 8.950, de 29 de dezembro de 2016. Publicado no DOU em 21.02.2020, Seção 1, Edição 37, p. 28.

Decreto nº 10.255, de 27.2.2020 - Convoca a Quinta Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Publicado no DOU em 28.02.2020, Seção 1, Edição 40, p. 1.

Decreto nº 10.256, de 27.2.2020 - Promulga o Acordo sobre Gratuidade de Vistos para Estudantes e Docentes dos Estados Partes do Mercosul, firmado em Córdoba, em 20 de julho de 2006. Publicado no DOU em 28.02.2020, Seção 1, Edição 40, p. 1.

Decreto nº 10.257, de 27.2.2020 - Altera o Decreto nº 9.278, de 5 de fevereiro de 2018, que regulamenta a Lei nº 7.116, de 29 de agosto de 1983, que assegura validade nacional às Carteiras de Identidade e regula sua expedição. Publicado no DOU em 28.02.2020, Seção 1, Edição 40, p. 2.

http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo.htm

Supremo Tribunal Federal – STF

Secretaria de Documentação

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