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25 de Abril de 2024

Resumo do Informativo nº 935 do STF

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há 5 anos

Brasília, 25 a 29 de abril de 2019

Sumário

Plenário

Medida provisória: revogação e reedição

ADI e princípio da unicidade de representação judicial e consultoria jurídica nos estados e no Distrito Federal

Lei estadual e sacrifício de animais em rituais – 2

Repercussão Geral

Precatórios de pequeno valor expedidos antes da promulgação

1ª Turma

Lei da Ficha Limpa: retroatividade e inelegibilidade

2ª Turma

Exploração de serviços de distribuição de gás natural

Tribunal do júri: pronúncia e princípio do “in dubio pro reo”

Clipping da Repercussão Geral

Outras Informações

Plenário

DIREITO CONSTITUCIONAL – PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Medida provisória: revogação e reedição

É inconstitucional medida provisória ou lei decorrente de conversão de medida provisória cujo conteúdo normativo caracterize a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória anterior rejeitada, de eficácia exaurida por decurso do prazo ou que ainda não tenha sido apreciada pelo Congresso Nacional dentro do prazo estabelecido pela Constituição Federal (CF).

Ao fixar essa tese, o Plenário julgou procedente pedido formulado em ações diretas apreciadas em conjunto, para declarar a inconstitucionalidade do inteiro teor da Lei 13.502/2017, que tinha como objeto estabelecer a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos ministérios.

Na assentada, o exame foi orientado segundo os argumentos trazidos pela ADI 5727, que possui o objeto mais amplo e contém as razões e os fundamentos das demais ações.

O colegiado registrou que a Medida Provisória (MP) 782/2017, impugnada a princípio, foi convertida na Lei 13.502/2017 e que os autores promoveram o necessário aditamento às petições iniciais, com o objetivo de impedir o prejuízo das ações.

Ato contínuo, o Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, resolveu questão de ordem no sentido de afastar a prejudicialidade das ações diretas. A questão de ordem foi suscitada em face da edição, em 2019, da MP 870, que também cuidou da organização básica daqueles órgãos e dos ministérios e, expressamente, dispôs revogar a Lei 13.502/2017.

A Corte observou ter havido apenas a suspensão dos efeitos da eficácia da Lei 13.502/2017. Isso, porque a edição de medida provisória posterior não tem eficácia normativa imediata de revogação da legislação anterior com ela incompatível, mas apenas de suspensão, paralisação, das leis antecedentes até o término do prazo do processo legislativo de sua conversão. Embora seja espécie normativa com força de lei, a medida provisória precisa ser confirmada e, no caso, a de 2019 ainda está em tramitação. A medida provisória é lei sob condição resolutiva. Se for aprovada, a lei de conversão resultará na revogação da norma. Dessa maneira, não se pode falar em perda de interesse.

No ponto, o ministro Dias Toffoli (presidente) acentuou a importância de o Tribunal enfrentar o tema. Por seu turno, o ministro Roberto Barroso acompanhou a conclusão da maioria, tendo em conta a matéria de fundo a ser decidida, e aduziu que, se não fosse pela relevância da tese, talvez se pudesse esperar a conversão, ou não, da MP 870/2019 em lei, como proposto, em primeiro passo, pelo ministro Marco Aurélio.

Vencidos, na questão de ordem, os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, que reputaram prejudicadas as ações ante a medida provisória editada na legislatura iniciada em janeiro de 2019. O ministro Ricardo Lewandowski aduziu ainda estar prejudicada a matéria quanto ao desvio de finalidade.

Por unanimidade, o Tribunal converteu o exame dos pedidos das medidas cautelares no julgamento de mérito das ações diretas, haja vista os autos estarem aparelhados para tanto. Além disso, as medidas cautelares pautadas, essas sim, perderam o objeto, porquanto se destinavam única e exclusivamente à suspensão dos efeitos da espécie normativa inquirida nas ações enquanto estas tramitassem. Os efeitos da legislação foram suspensos com a edição da MP 870/2019.

No mérito, explicitou que, em fevereiro de 2017, foi publicada a MP 768, que criou a Secretaria-Geral da Presidência da República, o cargo de ministro de Estado chefe dessa secretaria e o Ministério dos Direitos Humanos e tratou ainda da organização da Presidencia da Republica e dos ministerios. Em decorrência dessa nova estrutura, certa pessoa foi nomeada, por decreto presidencial, ao referido cargo de ministro de Estado chefe.

O prazo da vigência da MP 768/2017 foi prorrogado, mas não houve sua devida apreciação e votação pelo Congresso Nacional. À vista do cenário, o presidente da República editou, em maio de 2017, a MP 782, questionada nas ações diretas e posteriormente convertida na Lei 13.502/2017. A regulamentação formalizada na MP 768/2017 – revogada pelo ato normativo posterior – foi mantida e, por conseguinte, a perda da eficácia daquela estrutura organizacional foi afastada.

De um lado, o Plenário entendeu não estar configurado desvio de finalidade na edição da MP 782/2017, invocado por um dos requerentes sob a alegação de que seu propósito seria de influenciar a condução de investigações iniciadas, ao assegurar a determinada pessoa prerrogativa de foro com sua nomeação ao cargo de ministro de Estado.

Assinalou que a norma, convertida em lei, promove reestruturação organizacional no âmbito da Administração Pública Federal, com o intuito de imprimir maior eficiência e melhoria na prestação das políticas públicas nacionais. A leitura de seu texto revela o cumprimento do objeto proposto, estabelecer a organização básica daqueles órgãos, que está no âmbito decisório do chefe do Poder Executivo da União, pois versa disciplina político-administrativa de seu interesse e competência. Por não ser matéria vedada a medida provisória, não há falar em ilegitimidade na escolha decisória.

Ademais, não se sustenta, do ponto de vista jurídico, o argumento de que a criação da Secretaria-Geral com status de ministério de Estado implicaria burla aos postulados constitucionais de moralidade e probidade na Administração, porque a criação ou extinção de ministérios e órgãos da Presidência também está no campo de decisão do chefe do Poder Executivo.

A espécie encerra hipótese abstrata de criação de órgão, que não está relacionado com o favorecimento de pessoa específica. A adversada nomeação para ministro de Estado foi objeto de impugnações judiciais, notadamente o MS 34.069, e está na alçada político-administrativa do presidente (CF, art. 84), desde que presentes os requisitos do art. 87 da CF (1).

Portanto, a objeção de invalidade constitucional da medida provisória, fundada no desvio de finalidade, não tem sustentação jurídica, uma vez que se trata de ato normativo geral e abstrato, motivo que justificou o cabimento de ação direta de controle concentrado.

Por outro lado, o colegiado asseverou que a revogação da MP 768/2017 e sua imediata reedição na mesma sessão legislativa, por meio da MP 782/2017, configura opção vedada pela ordem constitucional. Salientou que o vício não é convalidado com a conversão da medida provisória em lei.

O problema jurídico posto está circunscrito à observância do § 10 do art. 62 da CF, que veicula proibição de reedição de medida provisória na mesma sessão legislativa em que ocorrida sua rejeição ou perda de eficácia, como mecanismo procedimental de limitação do abuso no exercício excepcional da função legiferante pelo Poder Executivo da União. O alcance do § 10 do art. 62, instituído com a Emenda Constitucional (EC) 32/2001, foi definido na apreciação da ADI 2.984 MC e da ADI 3.964 MC, que norteiam o julgamento, haja vista a ausência de circunstâncias aptas a justificar o afastamento dos precedentes.

Desse modo, o presidente da República, embora não tenha disponibilidade sobre medida provisória já editada, tem legitimidade para editar outra com efeito ab-rogante. Não existe, na Constituição, proibição explícita a respeito. O efeito primeiro da medida provisória é o de suspender a eficácia jurídica da medida revogada, de modo a permanecer com o Congresso Nacional a função de deliberar sobre sua validade legislativa (ADI 2.984 MC).

Entretanto, o chefe do Poder Executivo da União, ao revogar determinada medida provisória, abre mão do poder de disposição sobre aquela matéria, com o caráter de urgência que justificava a edição do ato normativo. A hipótese corresponderia à figura da rejeição. A reedição, ainda que parcial, de medida provisória revogada é causa necessária e suficiente para sua incidência na vedação prescrita no § 10 do art. 62 da CF (ADI 3.964 MC).

O STF considerou a finalidade da reforma constitucional ocorrida por meio da EC 32/2001 e a realidade do processo legislativo levada a cabo nos anos precedentes. Atentou para o fato de que, muitas vezes, quando se busca fraudar o dispositivo constitucional, faz-se uma maquiagem na medida provisória para não repetir o teor da outra pura e simplesmente.

Por fim, assentou que o conteúdo da primeira medida provisória (MP 768/2017) foi absorvido no texto da segunda (MP 782/2017), ambas editadas na mesma sessão legislativa. Nesse tocante, compreendeu que, ao trazer novamente a matéria como forma de burla à Constituição, houve a contaminação da medida provisória impugnada em sua totalidade, porque a vedação resulta de vício de origem e, assim, abrange todo o ato normativo.

O ministro Alexandre de Moraes avaliou ser preciso ter cuidado com a abrangência do pronunciamento. A seu ver, não é cabível a limitação do assunto de forma genérica. Segundo o ministro, é possível a edição de medidas provisórias sequenciais sobre reorganização, desde que sem copiar da outra o conteúdo específico. Por exemplo, editar-se medida para reorganizar os ministérios da área social e, depois, outra para os da área econômica.

O ministro Roberto Barroso acrescentou que a escolha de ministro de Estado é decisão política discricionária do presidente da República, insuscetível de exame no mérito. Concluir que dar foro privilegiado é desvio de finalidade ou obstrução de justiça é entender que a jurisdição do STF não funciona.

(1) CF/1988: “Art. 87. Os Ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos.”

ADI 5717/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 27.3.2019. (ADI-5717)

ADI 5709/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 27.3.2019. (ADI-5709)

ADI 5716/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 27.3.2019. (ADI-5716)

ADI 5727/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 27.3.2019. (ADI-5727)


DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Lei estadual e sacrifício de animais em rituais – 2

É constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana.

Com base nessa orientação, o Plenário, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que discutida a constitucionalidade da Lei estadual 12.131/2004, que acrescentou o parágrafo único (1) ao art. 2º da Lei 11.915/2003 do estado do Rio Grande do Sul (Código Estadual de Proteção aos Animais).

Para a Corte, a legislação local está em consonância com a Constituição Federal (CF). Sob o prisma formal, improcede a alegação de inconstitucionalidade ao argumento de a legislação versar sobre matéria penal. O ato normativo impugnado acrescentou ao código estadual situação de exclusão de responsabilidade administrativa na hipótese de abate de animais em cultos religiosos, que em nada se relaciona com a excludente de ilicitude penal.

O caráter penal da legislação, por sua vez, exigiria a definição de fatos puníveis e suas respectivas sanções. O mencionado código estabelece regras de proteçâo a fauna, define conceitos e afasta a prática de determinadas condutas. Inexiste, portanto, descrição de infrações, tampouco de penas a serem impostas. Dessa forma, a natureza do diploma não é penal, mostrando-se impróprio falar em usurpação de competência da União.

Igualmente não se pode considerar ofensa à competência da União para editar normas gerais de proteção do meio ambiente, sobretudo ante o silêncio da legislação federal acerca do sacrifício de animais com finalidade religiosa. Os dispositivos apontados pelo recorrente (arts. 29 e 37 (2) da Lei 9.605/1988) cuidam tão somente do abate de animais silvestres, sem abranger os domésticos, utilizados nos rituais.

A par disso, as regras federais foram editadas em contexto alheio aos cultos religiosos, voltando-se à tutela da fauna silvestre, especialmente em atividades de caça. O quadro impõe o reconhecimento de que a União não legislou sobre a imolação de animais. A omissão na edição de normas gerais sobre meio ambiente outorga ao estado liberdade para estabelecer regras a respeito, observado o § 3º (3) do art. 24 da CF.

Sob o prisma material, o colegiado asseverou que a temática envolve a exegese de normas fundamentais, alcançando a conformação do exercício da liberdade de culto e de liturgia. A religião desempenha papel importante em vários aspectos da vida da comunidade, e essa centralidade está consagrada no art. , VI (4), da CF.

Pontuou que o Estado brasileiro tem o dever de proteger as “manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional” (art. 215, § 1º (5), da CF). Nessa perspectiva, o modo de ser e viver das comunidades, bem como a experiência da liberdade religiosa são vivenciadas com base em práticas não institucionais.

Ademais, entendeu não ter havido violação aos princípios da laicidade e da igualdade. A proteção legal às religiões de matriz africana não representa um privilégio, mas sim um mecanismo de assegurar a liberdade religiosa, mantida a laicidade do Estado. De fato, o Estado não pode estar associado a nenhuma religião, nem sob a forma de proteção nem de perseguição, numa separação formal entre Igreja e Estado. A laicidade do Estado veda o menosprezo ou a supressão de rituais, principalmente no tocante a religiões minoritárias ou revestidas de profundo sentido histórico e social.

A CF promete uma sociedade livre de preconceitos, entre os quais o religioso. A cultura afro-brasileira merece maior atenção do Estado, por conta de sua estigmatização, fruto de preconceito estrutural. A proibição do sacrifício negaria a própria essência da pluralidade cultural, com a consequente imposição de determinada visão de mundo. Essa designação de especial proteção aos cultos de culturas historicamente estigmatizadas não ofende o princípio da igualdade, sendo válida a permissão do sacrifício de animais a determinado segmento religioso, como previsto na norma questionada.

Por fim, a Corte entendeu que admitir a prática de imolação não significa afastar o amparo aos animais estampado no art. 225, § 1º, VII (6), da CF. Deve-se evitar que a tutela de um valor constitucional relevante aniquile o exercício de um direito fundamental, revelando-se desproporcional impedir todo e qualquer sacrifício religioso quando diariamente a população consome carnes de várias espécies.

Vencidos, em parte, os ministros Marco Aurélio (relator), Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, que admitiram a constitucionalidade da lei, porém para dar interpretação conforme à Constituição no sentido de ser estendida a excludente de responsabilidade a cultos de quaisquer religiões que realizem a sacralização com abates de animais, afastando maus-tratos e tortura. O relator ainda condicionou o abate ao consumo da carne.

(1) Lei 11.915/2003 do estado do Rio Grande do Sul: “Art. 2º É vedado: I – ofender ou agredir fisicamente os animais, sujeitando-os a qualquer tipo de experiência capaz de causar sofrimento ou dano, bem como as que criem condições inaceitáveis de existência; II – manter animais em local completamente desprovido de asseio ou que lhes impeçam a movimentação, o descanso ou os privem de ar e luminosidade; III – obrigar animais a trabalhos exorbitantes ou que ultrapassem sua força; IV – não dar morte rápida e indolor a todo animal cujo extermínio seja necessário para consumo; V – exercer a venda ambulante de animais para menores desacompanhados por responsável legal; VI – enclausurar animais com outros que os molestem ou aterrorizem; VII – sacrificar animais com venenos ou outros métodos não preconizados pela Organização Mundial da Saúde – OMS –, nos programas de profilaxia da raiva. Parágrafo único. Não se enquadra nessa vedação o livre exercício dos cultos e liturgias das religiões de matriz africana.”

(2) Lei 9.605/1988: “Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida: (...) Art. 37. Não é crime o abate de animal, quando realizado: I – em estado de necessidade, para saciar a fome do agente ou de sua família; II – para proteger lavouras, pomares e rebanhos da ação predatória ou destruidora de animais, desde que legal e expressamente autorizado pela autoridade competente; (...) IV – por ser nocivo o animal, desde que assim caracterizado pelo órgão competente.”

(3) CF/1988: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) § 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.”

(4) CF/1988: “Art. 5º VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.”

(5) CF/1988: “Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. ”

(6) CF/1988: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...) VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”

RE 494601/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgamento em 28.3.2019. (RE-494601)

Primeira Turma

DIREITO ELEITORAL – INELEGIBILIDADE

Lei da Ficha Limpa: retroatividade e inelegibilidade

A Primeira Turma iniciou julgamento de agravo interno em agravo em recurso extraordinário no qual se discute a incidência da Lei Complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa) em relação à eleição de candidato ao cargo de prefeito no pleito de 2016. O candidato foi condenado pela prática de abuso de poder e captação ilícita de votos, por sentença transitada em julgado em 10.9.2010, que decretou a sua inelegibilidade pelo prazo de três anos.

Na espécie, o recurso extraordinário impugna acórdão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que reputou o candidato inelegível no pleito de 2016, em conta da tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 929.670 (Tema 860 da repercussão geral) (1). O TSE assentou que o candidato foi condenado por ter, na qualidade de prefeito, praticado abuso de poder em benefício de candidatos a prefeito e vice-prefeito nas eleições de 2008. Afirmou que o exaurimento do prazo da inelegibilidade, considerada a data da eleição em que praticado o abuso (5.10.2008), ocorreu no dia 5.10.2016. Portanto, o recorrido estava inelegível na data do pleito de 2016 (2.10.2016). A inadmissão do recurso extraordinário no TSE foi repelida pelo ministro Alexandre de Moraes (relator), que conheceu e deu provimento ao agravo e, em seguida, ao apelo extremo para restabelecer o acórdão de Tribunal Regional Eleitoral (TRE) que manteve a sentença que julgou improcedentes as impugnações ao registro de candidatura do ex-prefeito. O juízo de 1º grau considerou que a inelegibilidade anteriormente decretada pela sentença transitada em julgado definiu o prazo de três anos, de modo que a aplicação retroativa do lapso de oito anos fixado na Lei da Ficha Limpa ofende a coisa julgada.

O ministro Alexandre de Moraes negou provimento ao agravo interno e reafirmou os fundamentos da decisão agravada no sentido de que o caso dos autos não se apresenta como substancialmente análogo aos pronunciamentos anteriores do STF. Isso porque a apreciação comparativa dos principais argumentos dos casos concretos, bem como de seus motivos, apresenta distinções razoáveis e idôneas e fatos determinantes diversos, o que inviabiliza a aplicação da hipótese abstrata e geral definida no RE 929.670 e afasta esse precedente judicial.

O relator explicou que, no precedente do Pleno, o candidato tivera seu registro indeferido nas instâncias de origem e participara do pleito eleitoral por força de decisões judiciais meramente provisórias. No presente caso, o candidato concorreu nas eleições municipais de 2016 amparado por duas decisões judiciais, anteriores à disputa, que rejeitaram as impugnações e deferiram seu pedido de registro de candidatura.

Além disso, a aplicação retroativa da Lei da Ficha Limpa em relação aos mesmos fatos já havia sido apreciada, em todas as instâncias da Justiça Eleitoral, quando o ora agravado requereu seu registro para candidatar-se no pleito de 2012. Nesse caso, o ex-prefeito disputou a candidatura com base em decisões de mérito da primeira e segunda instância da Justiça Eleitoral, que reiteraram o mesmo tema em relação à mesma pessoa e aos mesmos fatos discutidos quatro anos antes.

Segundo o relator, a insegurança jurídica será muito grande se houver reversão da situação, porque a própria Justiça Eleitoral, por duas vezes, na primeira e segunda instância, permitiu que o candidato concorresse. Há ofensa aqui à coisa julgada.

Em divergência, a ministra Rosa Weber deu provimento ao agravo para negá-lo ao recurso extraordinário. Para a ministra, a cada registro, o candidato há de demonstrar que estão ausentes as causas de inelegibilidade e presentes as condições de elegibilidade.

Após, o ministro Luís Roberto Barroso pediu vista dos autos.

(1) Tese do Tema 860 da repercussão geral: “A condenação por abuso de poder econômico ou político em ação de investigação judicial eleitoral transitada em julgado, ex vi do art. 22, XIV, da Lei Complementar 64/90, em sua redação primitiva, é apta a atrair a incidência da inelegibilidade do art. , inciso I, alínea d, na redação dada pela Lei Complementar n. 135/2010, aplicando-se a todos os processos de registro de candidatura em trâmite. ”

ARE 1.180.658 AgR/RN, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 26.3.2019. (ARE-1180658)

Segunda Turma

DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Tribunal do júri: pronúncia e princípio do “in dubio pro reo”

A Segunda Turma, com base no art. 21, § 1º (1), do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), negou seguimento a recurso extraordinário interposto em face de acórdão que pronunciou acusados da prática de homicídio doloso. Entretanto, por maioria, concedeu, de ofício, a ordem de habeas corpus para restabelecer sentença de impronúncia anteriormente proferida por magistrado de primeiro grau.

Os recorrentes foram denunciados pela suposta prática do delito previsto no art. 121, § 2º, I, III e IV, do Código Penal (CP). Após o regular trâmite da instrução, eles foram impronunciados pelo juízo de primeiro grau, nos termos do art. 414 (2) do Código de Processo Penal (CPP). O Ministério Público interpôs apelação, que foi provida, com fundamento no princípio do in dubio pro societate, para que eles fossem pronunciados.

A Turma afirmou que a reconstrução dos fatos passados configura ponto fundamental do processo penal, considerada a sua função de verificar a acusação imputada, a partir do lastro probatório produzido nos autos. Contudo, o momento da valoração na formação da decisão judicial carece de maior atenção da doutrina e da jurisprudência.

Nesse sentido, surge a necessidade de adoção de uma teoria racionalista da prova, em que, embora inexistam critérios de valoração rigidamente definidos na lei, o juízo sobre fatos deva ser orientado por critérios de lógica e racionalidade, passíveis de controle em âmbito recursal ordinário. Assim, a valoração racional da prova impõe-se constitucionalmente, a partir do direito à prova [Constituição Federal (CF), art. 5º, LV] (3) e do dever de motivação das decisões judiciais (CF, art. 93, IX) (4).

No acórdão recorrido, o tribunal de justiça consignou que a decisão de impronúncia proferida pelo juízo de piso trouxe argumentos plausíveis para a absolvição dos apelados, mas também para a existência de outros elementos que apontavam para a culpabilidade dos réus. Assim, foi reconhecida a existência de situação de dúvida.

Apesar disso, constatou-se certa preponderância de provas no sentido da não participação dos acusados no cometimento do delito, assim como alguns elementos incriminatórios de menor força probatória. Mesmo assim, o tribunal optou por alterar a decisão de primeiro grau e pronunciar os imputados.

Considerando tal narrativa, percebe-se a lógica confusa e equivocada ocasionada pelo suposto princípio in dubio pro societate, que, além de não ter qualquer amparo constitucional ou legal, acarreta o completo desvirtuamento das premissas racionais de valoração da prova e desvirtua o sistema bifásico do procedimento do júri brasileiro, a esvaziar a função da decisão de pronúncia.

A questão em debate deve ser resolvida a partir da teoria da prova no processo penal, em uma vertente cognitivista, a qual dispõe de critérios racionais para valoração da prova e standards probatórios a serem atendidos para legitimação da decisão judicial sobre fatos.

É certo que, para a pronúncia, não se exige certeza além da dúvida razoável, diferentemente do que necessário para a condenação. Contudo, a submissão de um acusado a julgamento pelo tribunal do júri pressupõe a existência de lastro probatório consistente no sentido da tese acusatória, ou seja, requer-se um standard probatório um pouco inferior, mas, ainda assim, dependente da preponderância de provas incriminatórias.

No caso em comento, conforme reconhecido pelo juízo de primeiro grau e também em conformidade com os argumentos aportados pelo tribunal, verifica-se a existência de preponderância de provas no sentido da não participação dos imputados nas agressões que ocasionaram o falecimento da vítima.

Ainda que se considerem os elementos indicados para justificar a pronúncia em segundo grau e se reconheça a existência de estado de dúvida diante de lastro probatório que contenha elementos incriminatórios e absolutórios, igualmente a impronúncia se impõe. Isso porque, se houver dúvida sobre a preponderância de provas, deve ser aplicado o in dubio pro reo: CF, art. , LVII (5); Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 8.2 (6); e CP arts. 413 e 414 (7).

De todo modo, a adoção do sistema bifásico no procedimento do júri busca estabelecer um mecanismo de verificação dos fatos imputados criminalmente pela acusação. Um julgador togado, técnico e com conhecimentos em direito analisa a acusação e as provas produzidas, para determinar se há base mínima para autorizar o juízo pelos jurados leigos. Ou seja, a legislação reconhece que o julgamento leigo, ainda que represente uma abertura para o exercício democrático e a manifestação do povo na justiça criminal, ocasiona riscos em razão da falta de conhecimentos jurídicos e da ausência do dever de motivação do veredicto.

Diante disso, criam-se mecanismos para reduzir os riscos de arbitrariedades. Um deles é a necessidade da análise prévia do caso por um juiz togado, que condiciona o envio do processo ao tribunal do júri.

A sistemática descrita não implica violação ao princípio da soberania dos veredictos (CF, art. 5º, XXXVIII, c). Ainda que a Constituição preveja a existência do tribunal do júri e busque assegurar a efetividade de suas decisões, a lógica do sistema bifásico é inerente à estruturação de um procedimento de júri compatível com o respeito aos direitos fundamentais e a um processo penal adequado às premissas do Estado Democrático de Direito.

Por fim, o colegiado registrou que a decisão de impronúncia não impede o oferecimento de nova denúncia, se surgirem novas provas (CPP, art. 414, parágrafo único).

Vencidos os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia, tão somente em relação à concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus. Ambos entenderam que o acórdão recorrido reconheceu haver a presença de acervo probatório mínimo a levar o processo para a apreciação do tribunal do júri, a incidir o princípio in dubio pro societate.

(1) RISTF: “Art. 21. § 1º Poderá o (a) Relator (a) negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente inadmissível, improcedente ou contrário à jurisprudência dominante ou a Súmula do Tribunal, deles não conhecer em caso de incompetência manifesta, encaminhando os autos ao órgão que repute competente, bem como cassar ou reformar, liminarmente, acórdão contrário à orientação firmada nos termos do art. 543-B do Código de Processo Civil.”

(2) CPP: “Art. 414. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado.”

(3) CF/1988: “Art. (...) LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”

(4) CF/1988: “Art. 93. (...) IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;”

(5) CF/1988: “Art. (...) LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”

(6) Convenção Americana de Direitos Humanos: “Art. 8.2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. (...)”

(7) CPP: “Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. § 1º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena. § 2º Se o crime for afiançável, o juiz arbitrará o valor da fiança para a concessão ou manutenção da liberdade provisória. § 3º O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código. Art. 414. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado. Parágrafo único. Enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova.”

(8) CF/1988: “Art. 5º (...) XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: (...) c) a soberania dos veredictos;”

ARE 1067392/CE, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 26.3.2019. (ARE-1067392)

http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo.htm

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