Resumo do Informativo nº 215 do STF
Brasília, 10 a 14 de setembro de 2018
Primeira Turma
DIREITO PENAL – FUNCIONÁRIO PÚBLICO
Entidades paraestatais e extensão do conceito de funcionário público
Consoante dispõe o art. 327, § 1º (1), do Código Penal (CP), qualifica-se como funcionário público pessoa que exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal ou trabalha em empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.
Com base nesse entendimento, a Primeira Turma denegou ordem de habeas corpus em que se discutia a equiparação de integrante ou dirigente de organização social, para fins penais, à condição de funcionário público.
A defesa sustentou a inaplicabilidade do art. 327, § 1º, do CP ao paciente, que exerceu cargo de direção em instituto que possui natureza jurídica de organização social. Afirmou, ainda, que o preceito alusivo ao citado artigo seria norma penal em branco. Ressaltou que o conceito de entidade paraestatal haveria de ser interpretado nos termos do art. 84, § 1º (2), da Lei 8.666/1993, o qual não inclui as organizações sociais.
A Turma entendeu que o art. 84, § 1º, da Lei 8.666/1993, a repercutir no âmbito administrativo, não constitui parâmetro interpretativo concernente aos tipos definidos no CP. O art. 327, § 1º, do CP versa a conceituação e delimitação, quanto à relevância penal, de funcionário público. Não se trata de norma penal em branco, cuja aplicação exige complemento normativo, ou de tipo aberto. Dessa forma, ante o cargo desempenhado pelo paciente em entidade paraestatal, mostra-se adequada a observância da extensão prevista no aludido dispositivo penal.
(1) CP: “Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.”
(2) Lei 8.666/1993: “Art. 84. Considera-se servidor público, para os fins desta Lei, aquele que exerce, mesmo que transitoriamente ou sem remuneração, cargo, função ou emprego público. § 1º Equipara-se a servidor público, para os fins desta Lei, quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, assim consideradas, além das fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, as demais entidades sob controle, direto ou indireto, do Poder Público.”
HC 138484/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 11.9.2018. (HC-138484)
DIREITO PENAL – EXCLUSÃO DO CRIME
Imunidade parlamentar e liberdade de expressão - 2
A Primeira Turma, por maioria, rejeitou denúncia apresentada contra deputado federal, por suposta prática do delito tipificado no art. 20, caput (1), da Lei 7.716/1989, por duas vezes, na forma do art. 70 (2) do Código Penal (CP).
De acordo com a peça acusatória, o parlamentar, durante palestra, teria se manifestado, de modo negativo e discriminatório, sobre quilombolas, indígenas, refugiados, mulheres e LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros) (Informativo 913).
O colegiado entendeu não configurado o conteúdo discriminatório das declarações do acusado, as quais, além de se inserirem na liberdade de expressão prevista no art. 5º, IV (3), da Constituição Federal (CF), estão cobertas pela imunidade parlamentar, a que se refere o art. 53, da CF (4).
Observou que a narrativa contém a exposição de fato supostamente delitivo e das circunstâncias alusivas à prática. Foram individualizados os comportamentos imputados a título de ofensas dirigidas contra quilombolas e estrangeiros, estabelecendo-se vínculo de causalidade no tocante ao acusado, e especificadas as falas tidas como caracterizadoras do tipo penal.
Asseverou que, consoante se depreende do discurso proferido pelo acusado em relação a comunidades quilombolas, as afirmações, embora consubstanciem entendimento de diferenciação e até de superioridade, são desprovidas da finalidade de repressão, dominação, supressão ou eliminação. Assim, por não se investirem de caráter discriminatório, são incapazes de caracterizar o crime previsto no art. 20, caput, da Lei 7.716/1989.
Considerou que os pronunciamentos do parlamentar contidos na peça acusatória estão vinculados ao contexto de demarcação e proveito econômico das terras e configuram manifestação política que não extrapola os limites da liberdade de expressão. Não se pode confundir o interesse na extinção ou diminuição de reservas indígenas ou quilombolas com a supressão e eliminação dessas minorias. Ademais, o emprego, no discurso, do termo arroba não consiste em ato de desumanização dos quilombolas, no sentido de comparação a animais, mas forma de expressão – de toda infeliz –, evocada a fim de enfatizar estar um cidadão específico do grupo acima do peso considerado normal.
Quanto à incitação a comportamento xenofóbico, reputou insubsistentes as premissas apresentadas pela acusação. O delito é de perigo abstrato, cuja tipicidade há de ser materializada teleologicamente. Embora não se exija que do discurso dito incitador sobrevenha a efetiva prática de atos discriminatórios, é imprescindível a aptidão material do teor das falas a desencadeá-los.
No caso, as afirmações do denunciado se situam no âmbito da crítica à política de imigração adotada pelo Governo e não revelam conteúdo discriminatório ou passível de incitar pensamentos e condutas xenofóbicas pelo público ouvinte. O próprio acusado diz não fazer distinção quanto à origem estrangeira do imigrante. A crítica também se insere na liberdade de manifestação de pensamento, insuscetível, portanto, de configurar crime.
Observou, por fim, que o convite referente à palestra se deu em razão do exercício do cargo de deputado federal ocupado pelo acusado, a fim de proceder à exposição de visão geopolítica e econômica do País.
A Turma reconheceu a vinculação das manifestações apresentadas na palestra com pronunciamentos do parlamentar na Câmara dos Deputados. Concluiu que, comprovado o nexo de causalidade entre o que veiculado e o mandato, tem-se a imunidade parlamentar. As declarações, ainda que dadas fora das dependências do Congresso Nacional e, eventualmente, sujeitas a censura moral, quando retratam o exercício do cargo eletivo, a atuação do congressista, estão cobertas pela imunidade parlamentar e implicam na exclusão da tipicidade.
Vencido o ministro Roberto Barroso, que recebeu a denúncia, em parte, quanto aos pronunciamentos sobre quilombolas, afrodescendentes, e sobre homossexuais, enquadrando-os nos delitos previstos, respectivamente, no art. 20 da Lei 7.716/1989 e de incitação ao crime e apologia de crime, constantes dos artigos 286 e 287 (5) do CP. Vencida a ministra Rosa Weber que, ao retificar o voto precedente, acompanhou a divergência apenas quanto às declarações referentes aos quilombolas.
(1) Lei 7.716/1989: “Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.”
(2) CP: “Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.”
(3) CF: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) IV - e livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;”
(4) CF: “Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.”
(5) CP: “Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime (...) Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: (...)”
Inq 4694/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 11.9.2018. (Inq-4694)
Segunda Turma
DIREITO PENAL – LEI DE DROGAS
Sementes de maconha e tipicidade
A Segunda Turma, por maioria, concedeu a ordem de habeas corpus para restabelecer decisão do Juízo de primeiro grau que, em razão da ausência de justa causa, rejeitou a denúncia e determinou o trancamento de ação penal proposta contra réu acusado de importar, pela internet, 26 sementes de maconha.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve o entendimento do Tribunal Regional Federal (TRF) que reformou a decisão do juízo a quo e determinou o recebimento da denúncia para que o paciente respondesse pelo crime de tráfico internacional de drogas (Lei 11.343/2006, art. 33, § 1º, I (1), c/c o art. 40, I).
A Turma entendeu que a matéria-prima ou insumo deve ter condições e qualidades químicas que permitam, mediante transformação ou adição, por exemplo, a produção da droga ilícita. Não é esse o caso das sementes da planta cannabis sativa, as quais não possuem a substância psicoativa THC.
Vencido o ministro Dias Toffoli, que indeferiu a ordem.
(1) Lei 11.343/2006: “Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: § 1o Nas mesmas penas incorre quem: I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; (...) Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito;”
HC 144161/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 11.9.2018. (HC – 144161)
http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo.htm
Secretaria de Documentação – SDO
Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD
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