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26 de Abril de 2024

[Criminal] Resumo do Informativo n° 730 do STJ

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há 2 anos

28 de março de 2022.

QUINTA TURMA

Processo

RMS 68.119-RJ, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 15/03/2022, DJe 28/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Quebra de sigilo de dados estáticos. Serviço de geolocalização. Marco Civil da Internet. Não violação. Extrapolação da decisão de quebra de sigilo em face de número indeterminado de pessoas. Princípio da proporcionalidade. Não observância.

DESTAQUE

Não é possível a quebra de sigilo de dados informáticos estáticos (registros de geolocalização) nos casos em que haja a possibilidade de violação da intimidade e vida privada de pessoas não diretamente relacionadas à investigação criminal.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Na hipótese vertente, discute-se a possibilidade de decretação de determinação judicial de quebra de sigilo de dados estáticos antes coletados (registros de geolocalização), relacionados à identificação de usuários que operaram em área delimitada e por intervalo de tempo indicado, estando devidamente fundamentada, após pedido expresso da autoridade competente, no seio de investigação formal, tendo, como referência, fatos concretos relacionados ao suposto cometimento de crime grave.

Vale destacar que tal situação configura apenas quebra de sigilo de dados informáticos estáticos e se distingue das interceptações das comunicações dinâmicas em si, as quais dariam acesso ao fluxo de comunicações de dados, isto é, ao conhecimento do conteúdo da comunicação travada com o seu destinatário.

O tema já foi enfrentado por esta Corte Superior, vejamos: "Na espécie, a ordem judicial direcionou-se a dados estáticos (registros), relacionados à identificação de usuários em determinada localização geográfica que, de alguma forma, possam ter algum ponto em comum com os fatos objeto de investigação por crimes de homicídio.(...) A determinação do Magistrado de primeiro grau, de quebra de dados informáticos estáticos, relativos a arquivos digitais de registros de conexão ou acesso a aplicações de internet e eventuais dados pessoais a eles vinculados, é absolutamente distinta daquela que ocorre com as interceptações das comunicações, (...) A quebra do sigilo de dados, na hipótese, corresponde à obtenção de registros informáticos existentes ou dados já coletados (...) Assim, para que o magistrado possa requisitar dados pessoais armazenados por provedor de serviços de internet, mostra-se satisfatória a indicação dos seguintes elementos previstos na lei: a) indícios da ocorrência do ilícito; b) justificativa da utilidade da requisição; e c) período ao qual se referem os registros (...) Logo, a quebra do sigilo de dados armazenados, de forma autônoma ou associada a outros dados pessoais e informações, não obriga a autoridade judiciária a indicar previamente as pessoas que estão sendo investigadas (...)" ( RMS 62.143/RJ, Sexta Turma, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe de 8/9/2020).

Contudo, extrapolam os limites do entendimento firmado por esta Corte Superior, se a decisão judicial determinar o acesso amplo e irrestrito aos seguintes dados, verbis: 1) que seja dado acesso amplo e irrestrito dos e-mails vinculados aos aparelhos identificados. 2) Que seja fornecido o conteúdo do G. 3) Que seja fornecido o conteúdo do G fotos (incluindo os respectivos metadados - geomarcação). 4) Que seja fornecido o conteúdo do G D. 5) Que seja fornecida a lista de contatos. 6) Que seja fornecido o histórico de localização, incluindo os trajetos pesquisados no g m, w ou outros que importem a função GPS. 7) Que sejam fornecidas as consultas (pesquisas) realizados pelo usuário (s) do dispositivo. 8) Por fim, que sejam relacionadas as contas do G P, incluindo APPs baixados (downloads) ou comprados, lista de desejos, pessoas e informações das eventuais contas, como ocorreu no caso analisado.

Cumpre lembrar que essa matéria recentemente foi enfrentada pela Sexta Turma desta Corte Superior, em julgado no qual foi assentada a tese de que dados que refletem informações íntimas (como o acesso irrestrito a fotos e conteúdo de conversas), quando a ordem de quebra de sigilo se voltar a universo indeterminado de pessoas, devem ser afastados desta possibilidade ( AgRg no RMS 59.716/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 17/8/2021).

Importante, contudo, sedimentar que a ordem dirigida a provedor cuja relação é regida pelo Marco Civil da Internet não prevê, dentre os requisitos que estabelece para a quebra de sigilo, que a decisão judicial especifique previamente as pessoas objeto da investigação ou que a prova da infração (ou da autoria) possa ser realizada facilmente por outros meios (arts. 22 e 23 da Lei n. 12.965/2014).

Entretanto, o referido fundamento não subsiste nos casos em que haja a possibilidade de violação da intimidade e vida privada de pessoas não comprovadamente relacionadas à investigação criminal.

Saiba mais:

· Informativo de Jurisprudência n. 681

· Informativo de Jurisprudência n. 730

· Legislação Aplicada / LEI 11.343/2006 ( LEI DE DROGAS)- Lei de Drogas.

· Pesquisa Pronta / DIREITO PENAL - TRÁFICO DE DROGAS

Processo

HC 721.055-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 22/03/2022, DJe 25/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Associação para o tráfico de drogas. Estabilidade e permanência. Comprovação. Pleito Absolutório. Incursão no acervo probatório. Inviabilidade.

DESTAQUE

Demonstradas pela instância de origem a estabilidade e permanência do crime de associação para o tráfico de drogas, inviável o revolvimento probatório em sede de habeas corpus visando a modificação do julgado.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Esta Corte Superior possui pacífica jurisprudência no sentido de que é necessária a demonstração da estabilidade e da permanência da associação para a condenação pelo crime do art. 35 da Lei n. 11.343/2006.

Sabe-se que, no crime de associação para o tráfico de drogas, há um vínculo associativo duradouro e estável entre seus integrantes, com o objetivo de fomentar especificamente o tráfico de drogas, por meio de uma estrutura organizada e divisão de tarefas para a aquisição e venda de entorpecentes, além da divisão de seus lucros.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que: Para a configuração do delito de associação para o tráfico de drogas, é necessário o dolo de se associar com estabilidade e permanência, sendo que a reunião de duas ou mais pessoas sem o animus associativo não se subsume ao tipo do art. 35 da Lei n. 11.343/2006. Trata-se, portanto, de delito de concurso necessário ( HC n. 434.972/RJ, Relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 26/6/2018, DJe de 1º/8/2018).

No caso, as instâncias ordinárias demonstraram a presença da materialidade e da autoria do delito de associação para o tráfico, com a demonstração da concreta estabilidade e permanência da associação criminosa, tendo em vista, em especial, a prova oral colhida contida nos autos e as conversas extraídas do aparelho celular apreendido, evidenciando que a prática do crime de tráfico de drogas não era eventual, pelo contrário, representava atividade organizada, estável e em função da qual todos os corréus estavam vinculados subjetivamente.

A revisão da conclusão alcançada pelo Tribunal de origem, de sorte a confirmar-se a versão defensiva de que não há comprovação da associação estável a outros corréus para o tráfico de entorpecentes, somente poderia ser feita por meio do exame aprofundado da prova, providência inadmissível na via do habeas corpus.

Saiba mais:

· Legislação Aplicada / LEI 11.343/2006 ( LEI DE DROGAS)- Lei de Drogas.

· Pesquisa Pronta / DIREITO PENAL - TRÁFICO DE DROGAS

Processo

AREsp 1.883.043-DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, por maioria, julgado em 15/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Tribunal do júri. Quesitação deficiente. Formulação composta. Vício de complexidade. Nulidade absoluta do julgamento.

DESTAQUE

Quesitos complexos, com má redação ou com formulação deficiente, geram a nulidade do julgamento do Tribunal do Júri, por violação ao art. 482, parágrafo único, do CPP.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Nos termos do art. 482, parágrafo único, do CPP, os quesitos deverão ser redigidos "em proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e necessária precisão".

A questão, assim, merece ser examinada sob o enfoque metalinguístico e da análise do discurso. Entende-se por "simples", o que só se constitui de um componente [...]; que "não é complicado, que é fácil de compreender" e, também, o que "não apresenta outros sentidos ou conotações" (Fonte: aulete.com.br/simples). Por óbvio, "complexo" é aquilo que não é simples, ou seja, o que contém ou é formado por diversos elementos; que apresenta vários aspectos ou é multifacetado; de difícil compreensão (Larousse - Dicionário de Língua Portuguesa. São Paulo: Ática, 2001).

Da análise meramente semântica, já é possível concluir que a intenção do legislador ao prever o parágrafo único do art. 482 do CPP é prevenir os chamados "vícios de complexidade". Ou seja, que os quesitos devem ser redigidos em fórmula "simples", não compostas, não complexas, sem conotações, sobretudo, porque demandam respostas binárias, na base do "sim" ou "não". Logo, é por meio do questionário de votação que o acusado e a defesa acessam os fundamentos da condenação.

Inevitável, portanto, para análise da validade da "estrutura" do quesito, seguir o percurso linguístico, como forma de aferir a qualidade de sua redação, se boa ou má; e, se simples ou complexa - e adequação aos ditames do art. 482, parágrafo único, do CPP. Para tanto, é necessário dissecar a trama textual, a linguagem das proposições e perguntas formuladas para os jurados.

Aliás, não se pode negar a relevância da análise semântica e discursiva para o deslinde da matéria, até porque, ontologicamente, o Direito se concretiza pela linguagem, o que não é diferente nos atos comunicacionais da sessão do Tribunal do Júri.

Com efeito, não é demasiado reforçar que nem o caráter do agente, nem os motivos do crime devem ser considerados para fins de formulação de quesitos do júri, que devem ater-se unicamente às questões fáticas, sob pena de ofensa ao princípio da presunção de inocência e do devido processo legal.

Isso porque, não se pode perder de vista a influência, ordinariamente, exercida pelo juiz presidente no corpo de jurados. Embora o juiz togado não seja o juiz natural da causa no Tribunal do júri, apresenta-se em cena não só como locutor dos quesitos mas também como autoridade, razão pela qual suas proposições denotam legitimidade e expertise aos olhos do leigo; por isso, merecedoras de credibilidade.

Assim, apesar de o juiz togado, naquele momento, apresentar-se como simples mediador e tradutor das teses da acusação e da defesa, ao se dirigir aos jurados por meio dos quesitos, aparece como locutor e, como tal, por meio do processo linguístico, segue um percurso discursivo. O problema surge quando o juiz, ao invés de formular perguntas, isto é, propor os quesitos, passa a declarar ou afirmar algo, dando às proposições um caráter argumentativo e extrapolando as balizas de sua função no Tribunal do júri delimitadas no CPP.

A consagração da autonomia do júri e sua total independência em relação aos juízes togados, aliás, nasce com a própria instituição, que representa historicamente uma limitação do poder punitivo estatal - investido, à época, no monarca absolutista -, e incorpora o ideal de soberania popular.

A soberania do júri é exercida, em especial, na votação dos quesitos, momento em que se deve garantir aos jurados a plena liberdade de julgamento e o afastamento de qualquer tipo de interferência externa, para preservação da imparcialidade do juízo natural.

Desse modo, não há como negar que a atuação do juiz togado pode afetar a autonomia e independência dos jurados, o que também pode ocorrer por ocasião da redação do questionário, quando as frases, explícita ou implicitamente, revelam-se tendenciosas ou em desconformidade com o princípio do devido processo legal.

Cumpre frisar que o art. 482, parágrafo único, do CPP é claro ao determinar que as proposições devem ser "simples e distintas". Desse modo, o sistema de quesitação acolhido no direito processual pátrio não é aberto, de modo que o juiz togado possa redigir as perguntas como bem entender.

Processo

AgRg no HC 714.884-SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, por maioria, julgado em 15/03/2022, DJe 24/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Homicídio Qualificado. Execução provisória Pena. Reprimenda igual ou superior a 15 anos de reclusão. Art. 492, I, do CPP. Prisão automática. Ilegalidade. Ausência de elementos de cautelaridade. Repercussão geral. Tema n. 1.068 pendente de julgamento.

DESTAQUE

Pendente de julgamento no STF o Tema n. 1.068, em que se discute a constitucionalidade do art. 492, I, do CPP, deve ser reafirmado o entendimento do STJ de impossibilidade de execução provisória da pena mesmo em caso de condenação pelo tribunal do júri com reprimenda igual ou superior a 15 anos de reclusão.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Discute-se a legalidade da execução provisória da pena na forma do art. 492, I, e, parte final, do Código de Processo Penal, diante de condenação pelo Tribunal do Júri, que resultou em reprimenda superior a 15 anos de reclusão.

No entanto, o entendimento desta Corte, firmado em consonância com a jurisprudência do STF fixada no julgamento das ADCs n. 43, 44 e 54, é no sentido de ilegalidade da execução provisória da pena quando ausentes elementos de cautelaridade, previstos no art. 312 do CPP.

A constitucionalidade do art. 492 do CPP, aliás, é objeto de repercussão geral no STF, Tema n. 1.068 ( RE 1.235.340/SC), já tendo o Ministro Gilmar Mendes votado no sentido da inconstitucionalidade do dispositivo legal. De fato, no sistema constitucional brasileiro, em harmonia como a jurisprudência dos tribunais superiores, não há espaço para execução provisória da pena.

Assim, estando pendente de julgamento no STF o Tema n. 1.068, em que se discute a constitucionalidade do art. 492, I, do CPP, deve ser reafirmado o entendimento do STJ de impossibilidade de execução provisória da pena mesmo em caso de condenação pelo tribunal do júri com reprimenda igual ou superior a 15 anos de reclusão.

SEXTA TURMA

Processo

HC 695.980-GO, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 22/03/2022, DJe 25/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Violação de domicílio. Ingresso policial apoiado em atitude suspeita do acusado. Fuga no momento da abordagem. Ausência de justa causa. Aplicação do entendimento firmado no HC 598.051/SP.

DESTAQUE

A violação de domicílio com base no comportamento suspeito do acusado, que empreendeu fuga ao ver a viatura policial, não autoriza a dispensa de investigações prévias ou do mandado judicial para a entrada dos agentes públicos na residência.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Tendo como referência o recente entendimento firmado por esta Corte, nos autos do HC 598.051/SP, o ingresso policial forçado em domicílio, resultando na apreensão de material apto a configurar o crime de tráfico de drogas, deve apresentar justificativa circunstanciada em elementos prévios que indiquem efetivo estado de flagrância de delitos graves, além de estar configurada situação que demonstre não ser possível mitigação da atuação policial por tempo suficiente para se realizar o trâmite de expedição de mandado judicial idôneo ou a prática de outras diligências.

No caso em tela, a violação de domicílio teve como justificativa o comportamento suspeito do acusado - que empreendeu fuga ao ver a viatura policial -, circunstância fática que não autoriza a dispensa de investigações prévias ou do mandado judicial para a entrada dos agentes públicos na residência, acarretando a nulidade da diligência policial.

Ademais, a alegação de que a entrada dos policiais teria sido autorizada pelo agente não merece acolhimento. Isso, porque não há outro elemento probatório no mesmo sentido, salvo o depoimento dos policiais que realizaram o flagrante, tendo tal autorização sido negada em juízo pelo réu.

Por fim, "Segundo a nova orientação jurisprudencial, o ônus de comprovar a higidez dessa autorização, com prova da voluntariedade do consentimento, recai sobre o estado acusador" ( HC 685.593/SP, relator Ministro Sebastião Reis Junior, Sexta Turma, DJe 19/10/2021).

Saiba mais:

· Informativo de Jurisprudência n. 623

· Informativo de Jurisprudência n. 666

· Informativo de Jurisprudência n. 678

· Informativo de Jurisprudência n. 687

· Informativo de Jurisprudência n. 725

Processo

RHC 154.162-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 22/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Lavagem de capitais. Inépcia da Denúncia. Inicial acusatória que atribui tipos penais sem indicar que conduta praticada pela acusada teria concorrido para o êxito da empreitada criminosa. Ausência de indícios probatórios. Máculas que impedem o exercício do contraditório e da ampla defesa. Trancamento da ação penal.

DESTAQUE

Inexistindo a demonstração do mínimo vínculo entre o acusado e o delito a ele imputado, impossibilitado está o exercício do contraditório e da ampla defesa.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O trancamento de ação penal pela via do habeas corpus é medida excepcional, cabível apenas quando demonstrada, de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a manifesta ausência de provas da existência do crime e de indícios de autoria.

Do exame da inicial acusatória, desponta a dificuldade em se inferir que conduta supostamente praticada pela denunciada efetivamente teria contribuído para o êxito da empreitada criminosa. De fato, é imputado a prática de ocultação de valores oriundos de suposta prática ilícita. Ocorre que, diferentemente dos demais acusados, não resta claro da denúncia que delito antecedente teria a acusada incidido.

Muito embora se admita doutrinariamente o dolo eventual no delito de lavagem de capitais - a exemplo do gerente de banco que, necessitando atingir metas internas da instituição financeira na venda de produtos bancários, permite que pessoa potencialmente vinculada a práticas criminosas utilize sua conta para adquirir produtos e serviços com recursos de origem ilícita, deixando de adotar práticas de diligência ou mesmo de conformidade, adere assim à atividade criminosa -, o caso em análise mostra-se distinto.

Se, no exemplo citado, do gerente do banco exige-se a consciência da conduta e o conhecimento das regras do jogo financeiro, o mesmo não se pode esperar das relações com vínculos afetivos, como relações conjugais, entre pais e filhos ou mesmo entre parentes.

Na espécie, necessário que o órgão acusatório demonstre cabalmente que o agente conhecia a origem ilícita dos valores e deliberadamente agia para ocultá-los.

Sobre o tema, o STJ tem entendido ser "desnecessário que o autor do crime de lavagem de capitais tenha sido autor ou partícipe do delito antecedente, bastando que tenha ciência da origem ilícita dos bens e concorra para sua ocultação ou dissimulação. Sem contar que a ocultação e a dissimulação podem se protrair no tempo, mediante a prática de diversos atos subsequentes, exatamente para dar aparência de legalidade às aquisições obtidas de modo ilícito" (REsp 1.829.744/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, Sexta Turma, DJe 3/3/2020).

Em outro viés, ainda que para a configuração do delito de lavagem de capitais não seja necessária a condenação pelo delito antecedente, tendo em vista a autonomia do primeiro em relação ao segundo, basta, apenas, a presença de indícios suficientes da existência do crime antecedente ( AgRg no HC 514.807/SC, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 19/12/2019).

Evidentemente, no entanto, exsurge-se da análise do caso concreto a avaliação do elemento subjetivo, a saber, a ação volitiva do agente, com o intuito espúrio de ocultar a origem dos valores ilícitos, dando a estes aspecto lícito, a incidir do tipo legal da Lei n. 9.613/1998.

Tal desiderato deve ser facilmente extraído da denúncia, com a narrativa dos fatos imputados, indicação mínima de indícios do conhecimento da ilicitude dos bens ou valores oriundos de atividade criminosa e a consequente demonstração cabal da ocultação e dissimulação do capital.

Assim, na situação em exame, inexistindo a demonstração do mínimo vínculo entre a acusada e o delito imputado, impossibilitado está o exercício do contraditório e da ampla defesa.

Processo

HC 712.781-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 15/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Reconhecimento fotográfico realizado na fase do inquérito policial. Inobservância do procedimento previsto no art. 226 do CPP. Prova inválida como fundamento para a condenação.

DESTAQUE

É inválido o reconhecimento pessoal realizado em desacordo com o modelo do art. 226 do CPP, o que implica a impossibilidade de seu uso para lastrear juízo de certeza da autoria do crime, mesmo que de forma suplementar.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, por ocasião do julgamento do HC 598.886/SC (Rel. Ministro Rogerio Schietti), realizado em 27/10/2020, conferiu nova interpretação ao art. 226 do CPP, a fim de superar o entendimento, até então vigente, de que referido o artigo constituiria "mera recomendação" e, como tal, não ensejaria nulidade da prova eventual descumprimento dos requisitos formais ali previstos.

Na ocasião, foram apresentadas as seguintes conclusões: 1.1) O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime; 1.2) À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo; 1.3) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva com base no exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento; 1.4) O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia (s) ao reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo.

Necessário e oportuno proceder a um ajuste na conclusão n. 4 do mencionado julgado. Não se deve considerar propriamente o reconhecimento fotográfico como "etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal", mas apenas como uma possibilidade de, entre outras diligências investigatórias, apurar a autoria delitiva. Não é necessariamente a prova a ser inicialmente buscada, mas, se for produzida, deve vir amparada em outros elementos de convicção para habilitar o exercício da ação penal.

Segundo a doutrina especializada, o reconhecimento pessoal, feito na fase pré-processual ou em juízo, após o reconhecimento fotográfico (ou mesmo após um reconhecimento pessoal anterior), como uma espécie de ratificação, encontra sérias e consistentes dificuldades epistemológicas.

Se realizado em conformidade com o modelo legal (art. 226 do CPP), o reconhecimento pessoal é válido, sem, todavia, força probante absoluta, de sorte que não pode induzir, por si só, à certeza da autoria delitiva, em razão de sua fragilidade epistêmica. Se, todavia, tal prova for produzida em desacordo com o disposto no art. 226 do CPP, deverá ser considerada inválida, o que implica a impossibilidade de seu uso para lastrear juízo de certeza da autoria do crime, mesmo que de forma suplementar. Mais do que isso, inválido o reconhecimento, não poderá ele servir nem para lastrear outras decisões, ainda que de menor rigor quanto ao standard probatório exigido, tais como a decretação de prisão preventiva, o recebimento de denúncia e a pronúncia.

Em julgamento concluído no dia 23/2/2022, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal deu provimento ao RHC 206.846/SP (Rel. Ministro Gilmar Mendes), para absolver um indivíduo preso em São Paulo depois de ser reconhecido por fotografia, tendo em vista a nulidade do reconhecimento fotográfico e a ausência de provas para a condenação. Reportando-se ao decidido no julgamento do referido HC n. 598.886/SC, no STJ, foram fixadas três teses: 4.1) O reconhecimento de pessoas, presencial ou por fotografia, deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime e para uma verificação dos fatos mais justa e precisa; 4.2) A inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita, de modo que tal elemento não poderá fundamentar eventual condenação ou decretação de prisão cautelar, mesmo se refeito e confirmado o reconhecimento em Juízo. Se declarada a irregularidade do ato, eventual condenação já proferida poderá ser mantida, se fundamentada em provas independentes e não contaminadas; 4.3) A realização do ato de reconhecimento pessoal carece de justificação em elementos que indiquem, ainda que em juízo de verossimilhança, a autoria do fato investigado, de modo a se vedarem medidas investigativas genéricas e arbitrárias, que potencializam erros na verificação dos fatos.

No caso, a análise do contexto fático já delineado nos autos pelas instâncias ordinárias, permite inferir que o réu foi condenado, exclusivamente, com base em reconhecimento fotográfico realizado pela vítima e sem que nenhuma outra prova (apreensão de bens em seu poder, confissão, relatos indiretos etc.) autorizasse o juízo condenatório. Mais ainda, a autoridade policial induziu a vítima a realizar o reconhecimento - tornando-o viciado - ao submeter-lhe uma foto do acusado e do comparsa, de modo a reforçar sua crença de que teriam sido eles os autores do roubo. Tal comportamento, por óbvio, acabou por comprometer a mínima aproveitabilidade desse reconhecimento.

Estudos sobre a epistemologia jurídica e a psicologia do testemunho alertam que é contraindicado o show-up (conduta que consiste em exibir apenas a pessoa suspeita, ou sua fotografia, e solicitar que a vítima ou a testemunha reconheça se essa pessoa suspeita é, ou não, autora do crime), por incrementar o risco de falso reconhecimento. O maior problema dessa dinâmica adotada pela autoridade policial está no seu efeito indutor, porquanto se estabelece uma percepção precedente, ou seja, um pré-juízo acerca de quem seria o autor do crime, que acaba por contaminar e comprometer a memória. Ademais, uma vez que a testemunha ou a vítima reconhece alguém como o autor do delito, há tendência, por um viés de confirmação, a repetir a mesma resposta em reconhecimentos futuros, pois sua memória estará mais ativa e predisposta a tanto.

Sob um processo penal de cariz garantista (é dizer, conforme aos parâmetros e diretrizes constitucionais e legais), busca-se uma verdade processualmente válida, em que a reconstrução histórica dos fatos objeto do juízo se vincula a regras precisas, que assegurem às partes maior controle sobre a atividade jurisdicional.

Adotada, assim, a premissa de que a busca da verdade, no processo penal, se sujeita a balizas epistemológicas e também éticas, que assegurem um mínimo de idoneidade às provas e não exponham pessoas em geral ao risco de virem a ser injustamente presas e condenadas, é de se refutar que essa prova tão importante seja produzida de forma totalmente viciada. Se outros fins, que não a simples apuração da verdade, são também importantes na atividade investigatória e persecutória do Estado, algum sacrifício epistêmico, como alerta Jordi Ferrer-Beltrán, pode ocorrer, especialmente quando o processo penal busca, também, a proteção a direitos fundamentais e o desestímulo a práticas autoritárias.

Impõe compreender que a atuação dos agentes públicos responsáveis pela preservação da ordem e pela apuração de crimes deve dar-se em respeito às instituições, às leis e aos direitos fundamentais. Ou seja, quando se fala de segurança pública, esta não se pode limitar à luta contra a criminalidade; deve incluir também a criação de um ambiente propício e adequado para a convivência pacífica das pessoas e de respeito institucional a quem se vê na situação de acusado e, antes disso, de suspeito.

Sob tal perspectiva, devem as agências estatais de investigação e persecução penal envidar esforços para rever hábitos e acomodações funcionais, de sorte a "utilizar instrumentos para maximizar as probabilidades de acerto na decisão probatória, em particular aqueles que visam a promover a formação de um conjunto probatório o mais rico possível, quantitativa e qualitativamente" (Ferrer-Beltrán).

https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?aplicacao=informativo.ea

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Excelente, como sempre. continuar lendo